quinta-feira, 24 de novembro de 2011

CORAÇÃO EM RUÍNAS:


Noite dessas, acossado por uma insônia atroz, contei todos os carneiros de um rebanho imaginário, conquistei todas as mulheres que, de tão belas e inacessíveis, jamais, sequer, dirigi o olhar.
Estava neste rolar angustiante, quando escutei uma batida estranha. Prestando atenção conclui que se tratava do meu coração.  Batida estranha por não se tratar de um bombear ininterrupto do sangue para as artérias, valva, válvulas e vasos. Também não era uma batida pedindo para ele (meu coração) entrar na minha insônia. Era uma batida, conclui, convidando-me a uma visita às ruínas de meu coração destroçado.
Não me fiz de rogado, entre uma insônia sufocante e uma excursão às piramidais ruínas do meu coração, optei pelo passeio ao meu coração decrépito (só mais tarde dei por mim e vi que não era turismo ver meus próprios escombros, inda mais do coração).
Ao abrir a porta do meu coração, um susto, um cacho de picumã das injustiças sofridas caiu ao chão levantando uma nuvem de poeiras de lágrimas. A porta estava cambeta, com duas das três dobradiças soltas, pois os parafusos não conseguiam mais se prender nos tecidos do meu coração carcomido pelos cupins cegos de ódios, pelos carunchos famintos do desamor. Um pedaço sobrevivente de ternura desprendeu-se do teto e se espatifou, ruidosamente, no piso calejado do meu coração e, ficou ali inerte a potencializar os escombros
Apesar das ruínas, orgulhei-me de meu coração. Era valoroso. Mesmo com tantos escombros batia incessante, firme, ritmadamente... Ao atravessar aquela porta decrépita, dei-me com uma ampla avenida. Na sua placa indicativa lia-se “Avenida das Dores” e era calçada com os blocos gélidos da indiferença e o concreto corrosivo das palavras ríspidas. Comecei a caminhar por ela lentamente, mas ao contrário do gelo comum que gela a parte em que se está em contato, o gelo da indiferença gelava todo o corpo e sobremaneira a alma. Trôpego insisti em prosseguir por aquela avenida glacial.  Mais à frente, erigido no meio da ampla avenida, havia um memorial à ingratidão. Onde um orador inflamado e invisível conclamava a todos (apesar da avenida deserta) a se precaverem contra a ingratidão não às infligidas a si, mas, sobretudo à praticada aos outros, por ser ela insidiosa e induzir aos corações incautos a racionalizarem e não reconhecer em si as ingratidões feitas a outros corações.
Havia, também, várias ruas transversais, alamedas, becos e vielas. Na alameda dos infortúnios as paredes semidesabadas das ruínas tinham as cores desbotadas das decepções e os paralepípedos que a calçavam eram feitos de fel solidificado. Na entrada da viela do Amor era tudo florido e belo e a felicidade harmonizava dois bens antagônicos: “o amor e a eternidade”. E sobre a placa que a indicava, como a desdizer o que se via, um papagaio invisível repetia, incessante: “o amor é efêmero!”. Um pouco além, dei-me com o beco das amarguras. Nele, tudo era cinza e por uma canaleta, a céu aberto, escorria uma enxurrada de lágrimas e flutuando sobre a enxurrada folhas amarelas, que depois de melhor exame, vi que não eram folhas e sim sorrisos amarelos.
No outro lado da avenida, não sei se iniciava ou terminava, a rua da traição. Nela habitava os genocidas, os envenenadores, os corruptos e demagogos e num castelo lúgubre desta rua habitavam os assassinos dos amores e dos sonhos e até a sua placa indicativa era escrita de trás para frente “oãciart”. Em sua entrada um baú repleto de moedas de ouro se oferecia a quem se propusesse a trair, enquanto uma voz persuasiva e sensual incitava os não transeuntes à traição. Mais adiante, na Avenida das Dores, sobre uma ponte feita com destroços de sonhos, olhei o rio DECEPÇÃO, fundo e caudaloso, cujas corredeiras grugrulejavam, enquanto corriam: Na vida somos tantas que formamos, em um só coração, um rio; mas todos os rios DECEPÇÕES de todos os corações correm para um mesmo destino e formam o MAR DAS DECEPÇÕES! E em todo este percurso percorrido, vi sempre um tênue fio, que julguei ser um condutor elétrico, uma gambiarra, mas não; era o tênue fio da solidariedade que mantinha unidos os destroços do meu coração. Voltando a caminhar deparei com uma luz intensa e bela, que quanto mais eu caminhava em sua direção mais ela se afastava. Oh, esperança porque tão fugidia?!
No final da Avenida das Dores, não sei bem se era o final, um muro imenso a interditava a partir daquele ponto. O muro era como um imenso outdoor e estava repleto de pichações, todas sem pontos, sem vírgulas, sem reticências... E, após acordar, lembrei-me de uma que agora, tentando pontuá-la, transcrevo aqui: “A vida, numa analogia, é como uma luta de boxe há que ser forte, ter punhos de aço e, sobretudo, não ter queixo de vidro que o derrubará ao primeiro golpe, mas queixo de pedra que o manterá de pé apesar dos duros golpes que a vida, inevitávelmente, desferirá!”   


Piraí, 12 de março de 2009.  

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