domingo, 15 de agosto de 2010

O DIA EM QUE O RIO PARAIBA MORREU

“Milênios mais tarde, quando um renomado arqueólogo da nova raça dominante na Terra que evoluiu dos urubus descobriu que aquelas rochas brancas e fétidas no leito petrificado do rio Paraíba, na realidade não eram pedras mas lixos e merdas petrificados, concluiu que a civilização humana, se é que assim poderia chamar uma espécie que destruiu a si mesma ao provocar o aquecimento global, evoluira, não dos primatas como acreditaram, mas dos suínos como a arqueologia, agora, comprovava.”


Alberto da Silva Lancaster, rico industrial, acordou pela manhã, abriu a torneira de ouro de sua real suíte e não caiu uma gota de água. Murmurou, paga-se caro por tão precário serviço... Tem que privatizar!

José da Silva, desempregado, com seu barraco à margem do rio Paraíba, quando atirou a sacola de lixo, como fazia toda manhã, no leito do rio, ela sofreu um efeito bumerangue e voltou batendo violentamente na cara dele e assombrado ele gritou: as leis da física endoidaram, a lei da gravidade foi revogada!

Tião Pescador e Pedro Canoeiro remavam lentamente rio Paraíba acima, buscando chegar a um remanso onde pudessem ancorar e jogar suas linhadas e iniciar a pesca, como faziam toda madrugada, quando, súbito, a canoa sofreu um forte baque e encalhou. Pedro Canoeiro tentou desvencilhar-se remando, mas o remo não encontrou a resistência das águas. Tião Pescador disse a Pedro Remador que o mundo estava muito estranho, que o fim do mundo estava próximo, que o ar não era mais ar, mas uma mistura de gases sulfúricos, que as águas do rio de tão poluídas estavam aleijando e cegando os peixes e tornando-os tão raros que a qualquer dia desses não se diria: “vou pescar, mas vou garimpar!”. Peixes tornar-se-iam tão raros como os diamantes... Então, Pedro Canoeiro, mergulhado na mais negra noite desde o início dos tempos, teve uma clarividência e, iluminado pela certeza, naquela madrugada fatídica, grita a pleno pulmões: “Nós estamos encalhados é em sobre um iceberg de lixos! O Paraíba secou!”.

Foi um acontecimento trágico, mas não foi assim que o perceberam as populações ao longo do rio. De manhã todos acorreram para ver a novidade, foi um acontecimento festivo em que todos não se preocuparam em analisar que a morte do rio fora boa ou ruim. Afinal, o rio tinha estado ali através das eras e as dádivas trazidas a eles pelo rio não eram entendidas e por isso ignoradas. Até entendidas como atrapalhação (enchentes, dificuldades de atravessar de uma margem para outra, etc).

Mas se a população fora pega de surpresa, o mesmo não aconteceu com os poderes constituídos. Todos os prefeitos das cidades ao longo do rio já sabiam do fim iminente e já estavam com a festa preparada. Contrataram um contingente enorme de carpideiras e fizeram uma procissão pungente que percorreu o rio extinto, da nascente à foz. Foi a procissão de maior percurso e duração e teve seu registro no livro dos recordes. E, no palanque armado, políticos eufóricos anunciavam uma era de progresso com a nova rodovia que seria construída sobre o leito seco do Paraíba, a Trasparaiba, escoaria o progresso e ecoaria ao mundo o espírito empreendedor daquele povo que assassinou um rio para construir uma rodovia.

Tudo ia bem na construção da nova rodovia, a não ser pelo número elevado de mortes de operários mortos pelos gases mortais que emanavam do leito seco do rio. Mas era só aparente a sensação de progresso trazido pela rodovia em construção. Os políticos entretidos com sua nova fonte de superfaturamento não viam o que acontecia ao redor. Os laminadores das siderúrgicas emperraram com a falta de água, máquinas sem água para seus resfriadores explodiam. E as fábricas uma a uma cerravam as portas. As populações sedentas e imundas pediram a um pajé indígena que as ensinassem a dança da chuva e dançavam na esperança que chovesse para aplacar suas sedes e lavar aqueles corpos suados e fétidos. Crianças famintas de sede perambulavam pelas cidades pedindo esmolas de água. Então as aves que habitavam as margens do rio e alimentavam de seus peixes, migraram. Houve a diáspora da população sobrevivente da grande sede. Adveio, por ordem federal, um tribunal para julgar, não crimes de guerra, mas o crime ecológico que levou ao holocausto a população do Vale do Paraíba. Todos os prefeitos e governadores foram sentenciados à prisão perpétua. Mas já era tarde, a morte do Rio Paraíba foi apenas o primeiro ato, de uma tragédia mundial já há muito anunciada. E o fim se fez...

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